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Por que nos sentimos sós, mesmo tão conectados? Um olhar da psicanálise

Nunca estivemos tão conectados — e, paradoxalmente, nunca nos sentimos tão sós. Em um tempo em que a comunicação ocorre em tempo real, em que é possível saber o que amigos, colegas e desconhecidos estão fazendo a qualquer hora do dia, cresce o número de pessoas que relatam sentimentos de vazio, desconexão e solidão. Como compreender esse paradoxo? A psicanálise freudiana e lacaniana nos oferece caminhos potentes para pensar essa questão.

Para Freud, a constituição psíquica do sujeito começa com uma experiência fundamental: o desamparo. O ser humano nasce absolutamente dependente de um outro ser humano , que pode ser a mãe ou cuidador, para sobreviver. Esse outro não apenas atende às necessidades físicas do bebê, mas também dá sentido ao que ele sente. Quando o bebê chora de fome, dor ou desconforto, ele não sabe o que acontece em seu corpo. É a presença do outro que traduz esse mal-estar em linguagem, em cuidado, em afeto. É nesse espaço entre o corpo e a palavra que o sujeito começa a se formar.

No entanto, esse outro nem sempre está disponível. A ausência, o atraso, a frustração — experiências inevitáveis — deixam marcas. O sujeito aprende desde cedo que há algo que falta, algo que não será plenamente satisfeito. A solidão, então, não é apenas a ausência de companhia mas a revivência desse desamparo primordial: é o retorno da sensação de que não há quem escute, quem compreenda, quem dê sentido ao que se sente.

Lacan, aprofunda essa lógica pois para ele o sujeito é efeito da linguagem. Ao entrar no mundo simbólico, receber um nome, um lugar na família e na cultura o sujeito é inserido em uma rede de significados e perde algo de si. Há sempre uma distância entre o que se sente e o que se pode dizer. Nenhuma relação, por mais próxima ou amorosa, pode eliminar esse desencaixe. A solidão não é um acidente: é uma condição estrutural da existência.

Na contemporaneidade, a experiência da solidão ganha contornos ainda mais complexos. Vivemos em um tempo marcado pela aceleração, pela busca incessante por performance e pela exposição constante. As redes sociais oferecem um contato permanente e muitas vezes, superficial. Trocamos mensagens, reagimos a postagens, mas raramente encontramos espaço para a escuta verdadeira. A vulnerabilidade que é essencial para a construção de laços profundos, é frequentemente evitada ou mascarada por imagens idealizadas de sucesso e felicidade.

Essa lógica reforça o isolamento. Em um mundo que valoriza o controle e a excelência, mostrar-se frágil pode parecer perigoso. Evita-se o silêncio, o tédio, a pausa, justamente os espaços onde algo de si poderia emergir. E, assim, mesmo cercados de interações, sentimos a dor de não sermos realmente vistos ou escutados.

A psicanálise, ao contrário das soluções rápidas e normativas, propõe a escuta dessa solidão. Em vez de tratá-la como um sintoma a ser eliminado convida o sujeito a explorá-la. O que há por trás desse sentimento? Que experiências ele atualiza? Que desejo insiste silenciosamente por trás do mal-estar?

No espaço analítico, o sujeito encontra a possibilidade de falar e de se escutar. Ao nomear o que antes era apenas angústia, ele pode construir novas formas de estar no mundo, mais coerentes com sua verdade singular. A solidão, nesse processo, deixa de ser apenas dor e pode se tornar também abertura, reinvenção, liberdade.

Se você tem sentido o peso da solidão, talvez seja o momento de buscar um lugar onde sua palavra tenha espaço. A psicanálise oferece esse encontro com o outro e, sobretudo, consigo mesmo.

Andrea Torres
Psicóloga e Psicanalista

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